domingo, 30 de junho de 2013

SONHOS (IM) POSSÍVEIS (RS)

Assistir ao espetáculo “Sonhos (Im) Possíveis” revelou-se um grande prazer, pois trata-se de um espetáculo bastante articulado em sua proposta. O projeto marca a estreia do Grupo Teatro dos Sonhos em Porto Alegre, sendo que a proposta inicial partiu da simples questão: “Qual é o seu sonho?”. A partir desta premissa o grupo investigou os sonhos, desejos e utopias dos relatos coletados e a partir disso construiu um espetáculo que tem um ritmo ágil, através de uma linguagem contemporânea. 
Falar sobre sonhos é bastante comum no campo das artes, mas corre-se o grande risco de cair em narrativas sem sentido, pautadas apenas num universo onírico, mas vazias em seu discurso. 
Mas neste espetáculo o que ocorre é o contrário, o espetáculo é repleto de méritos, a começar pela dramaturgia original, construída por Patrícia Silveira com a colaboração de Natasha Centenaro, pois trata o tema “sonhos” com um viés totalmente novo, abrindo novas perspectivas sem cair em obviedades, tratando-se da narrativa. A dramaturgia é muito interessante, pois parte de um grande sonho das pessoas que é a questão da casa própria, mas constrói a partir disso uma narrativa delirante que empolga e unindo a outros motes sonhados, alcança um resultado de grande mérito. E o texto triunfa através da direção precisa de Patrícia Silveira que consegue muito bem orquestrar todos os elementos da encenação, oferecendo ao público uma experiência imagética, estilizada e interessante. 
A direção também tem o mérito de equalizar a interpretação do elenco, cuidando para que nenhum dos interpretes se sobressaísse mais do que o outro. Anderson Moreira Sales, Fernanda Moreno e Franciele Aguiar oferecem interpretações precisas, demonstrando uma disponibilidade corporal para construir um trabalho que é calcado na fisicalidade do ator. Os três atores são os grandes responsáveis por toda a dinâmica do espetáculo, corporificando as ideias do texto no espaço. 
Quanto aos demais elementos do trabalho, todos estão dentro da proposta, figurinos adequados e funcionais, com uma paleta de cores interessante, iluminação dialogando com o espaço e demais elementos. O cenário minimalista composto por tecidos e a presença de uma única cadeira consegue criar climas, espaços e dimensões, criando possibilidades surrealistas. 
O demérito da produção é o não aprofundamento das imagens potentes que são criadas, os atores criam quadros, imagens esteticamente belas e fortes, porém são destruídas rapidamente, não deixando o espectador fruir daquelas mesmas imagens, eu compreendo que as imagens podem representar os sonhos, que assim como se formam se desmancham rapidamente, momentos efêmeros, porém mesmo assim penso que é preciso um tempo um pouco mais estendido para a fruição. 
Tirando isso, “Sonhos Impossíveis” é com certeza um grande espetáculo e uma grande revelação de novos artistas surgindo na cena teatral da cidade e espero que a trajetória da peça não se estanque por aqui, que o projeto possa ter uma longa vida pela frente. Aplausos merecidos. 

FICHA TÉCNICA
Direção e dramaturgia: Patrícia Silveira
Colaboração dramatúrgica: Natasha Centenaro 
Elenco: Anderson Moreira Sales, Fernanda Moreno & Franciele Aguiar
Trilha sonora e arte gráfica: Daniel Soares Duarte 
Iluminação: Catarino Grosser
Cenografia e figurino: grupo
Produção: grupo
Colaboração: Pâmela Amaro & Tiago Horácio
Fotos: Camila Cunha & Heloísa Silva
Apoio: Cômica Cultural
Blog: https://sonhosimpossiveis.jux.com/
Facebook: https://www.facebook.com/empossiveis

Contato: ciateatrodossonhos@gmail.com


domingo, 23 de junho de 2013

O IDIOTA EXPERIMENTAL (RS)


Ao assistir “O Idiota experimental” percebi que o trabalho é a cara do Projeto Teatro Aberto da Prefeitura de Porto Alegre, pelo caráter aberto e experimental da obra em questão.
Trata-se da transposição para o teatro de um fragmento do livro “O Idiota” de Dostoiéwski, mas especifico do capítulo 6, onde a história é narrada por Michkin, um príncipe russo, que conhece Maria na Suíça, enquanto passava alguns anos internado num sanatório para doentes mentais, submetido ao tratamento de sua epilepsia.
O material disponibilizado pela produção diz que o espetáculo conta a história de Maria, focando como tema central da trama o individuo puro que imerso numa sociedade corrompida, cruel e desumana, torna-se um inadaptado, sendo rechaçado e marginalizado.
Júlio Saraiva que dirigi Gutto Basso neste experimento, já é conhecido dos palcos gaúchos por seus trabalhos, como “Van Gogh”, que sempre buscam uma renovação de linguagem, e aqui não é diferente. A dupla de criadores propõe uma cena onde o espectador precisa desvelar pelo menos duas camadas para adentrar no universo do espetáculo, vou chamar estas camadas de dramaturgia(s): a dramaturgia do texto, que consiste no fragmento do livro de Dostoiévski, que é narrado e disponibilizado ao espectador através de uma gravação em off, enquanto temos a dramaturgia do corpo, onde o ator/performer corporifica as imagens/ações sugeridas pelo narrador onipresente.
Estas dramaturgias não conseguem dar a dimensão da obra de Dostoévski, mesmo que reduzida, pois penso que fica muito distante a relação corpo/texto, são duas propostas opostas dentro do mesmo espetáculo, pois ou o espectador presta atenção ao texto narrado ou foca na performance do ator, acabo me desinteressando pela narração porque o texto gravado é linear, sempre dito no mesmo tom, sem alterações e variações, o que acaba se tornando monocórdio e chato, e me atento na performance de Gutto Basso, que através de ações e partituras físicas tenta traduzir este universo proposto pelo texto. O que me parece é que o ator tenta mostrar uma virtuose corporal, mesmo tendo um corpo limitado, mas não consegue se comunicar com a plateia, algumas passagens e imagens são bastante interessante, outras são muito literais, quase uma mimica do que esta sendo dito pelo texto.
O experimento apresentado é apenas a primeira etapa de um projeto maior que consiste em trazer à cena a obra de Dostoiévski, mas enquanto cena experimental e aberta, que foi o que assistimos, percebo que o projeto carece de um foco, de perceber quais possibilidades textuais podem servir de motes para criar outras possibilidades corporais, sem que isso torne-se apenas uma cena literária, onde as ações do ator apenas sublinhe o que é dito pela narração. Percebo também que o experimento carece de pausas e silêncios, momentos de ausência de trilha sonora, que apesar de ser linda, às vezes atrapalha, irrita, pelo fato de estar presente durante quase todo tempo da ação.
Outros elementos da encenação estão a serviço da cena, como a iluminação, que ainda poderia ser melhor utilizada, podendo criar climas e tensões ao invés de inundar o palco com uma paleta de cores, a trilha sonora criada pelo Gutto Basso que é linda, porém as vezes demasiada e com um volume mais alto que o texto, o figurino foi um dos elementos que mais gostei, pela composição que traduz signos da personagem.
Apesar de tudo apontado acima, que espero que auxilie os criadores nas próximas etapas do processo, digo que o que Júlio Saraiva e Gutto Basso nos propõe é um processo aberto que trabalha e subverte a própria linguagem cênica, pois brinca com códigos teatrais, desmitificando e abrindo a cena, propondo coisas novas para sacudir o teatro feito atualmente, que tem seus méritos, porém que precisam ser reajustados para que a cena ganhe a dimensão poética e teatralizada para conseguir se comunicar com o público.
FICHA TÉCNICA
Texto “O Idiota”, cap.6, de Fiódor Dostoiévski
Tradução e adaptação Gutto Basso e Julio Saraiva
Atuação, bonecos, adereços e música Gutto Basso
Direção, Programação Visual e Plástica Julio Saraiva
Coreógrafos Carla Vendramini e Gislaine Sachet        
Músicos Gutto Basso, Alison Peyrot Bassani e William Tsuhako        
Operação de luz e som Fábio Cuelli     
Registro fotográfico Marcelo Casagrande
Gestora Cultural Elisabete S. Silva

domingo, 2 de junho de 2013

FALA COMIGO DOCE COMO A CHUVA (RS)


No momento em que escrevo este texto, lá fora cai uma chuva considerável, e a chuva me faz relembrar “Fala comigo doce como a chuva”, que perpassa toda a ação da peça que foi apresentado dentro do Projeto Teatro Aberto. 
O espetáculo apresenta através de um jogo realista e emocionante a visão solitária do mundo e das relações humanas. Este texto em um ato apresenta a fragmentação da vida de um jovem casal que, desgastados pela pobreza e fracassos contínuos, não conseguem mais se relacionar. Esta pérola do dramaturgo americano Tennessee Williams, que neste espetáculo ganha outros fragmentos textuais como vozes dos próprios atores e de Jéssica Lusia, e Rihanna concentra grande parte do desespero existencial com o qual o autor dota suas personagens. A crueldade maior da peça é que ela fala da desilusão do amor, da solidão e da incapacidade do ser humano ser feliz. O casal da peça não foge a tais regras: cheios de ilusões e sonhos que a dura realidade da grande cidade não titubeia em esmagar. “Fale comigo doce como a chuva”, denuncia de forma poética e pungente, a falta de alento que permeia nossas relações e nossas vidas em uma sociedade que se alimenta de solidão.
A impressão que tenho ao assistir ao espetáculo é que o casal está junto e a sós ao mesmo tempo. Qual a ligação, o que une e move estes dois seres? Pois não há mais sonhos, esperanças e alentos, só a chuva que cai lá fora do apartamento, traduzindo a tristeza que assim como a chuva, escorre e se esvai não se sabendo qual o destino de suas vidas.   
O espetáculo dura pouco mais de 30 minutos, porém é grande em intensidade e entrega. Fernanda Petit é uma atriz que tem suas qualidades reconhecidas, e neste caso volta a exibir toda a sua potencialidade, mergulhando de cabeça em sua personagem, calcando sua criação na verdade, na emoção e no perfeito equilíbrio que não a deixa em nenhum momento cair em clichês, pelo contrário, se utiliza de climas e tensões que auxiliam na criação da densidade necessária a um espetáculo como este. Ander Belotto é um bom ator, consegue acompanhar sua colega, mas não responde tanto quanto sua colega de cena, é correto em sua criação, porém em alguns momentos a verdade da personagem se esvai e sua ação não é mais crível, e isso se justifica nas suas intenções, na respiração, no andar, e penso que o que o atrapalha um pouco, é o despojamento do inicio da peça, onde Ander recebe o público, indicando lugares e conversando com o público, para depois adentrar no espaço da ficção, sendo que Petit já está imersa na atmosfera da peça desde a entrada do público. 
A direção de Matheus Melchionna é segura e forte, pois conseguiu imprimir a encenação uma densidade que faz com que o espectador mergulhe juntamente com o casal em cena. O espaço tomado por bilhetes, garrafas e cigarros, traduz esteticamente o universo dos personagens, enquanto a mulher projeta e escreve seus pensamentos e sonhos nos papéis, o homem devasta e destrói através da sua incapacidade de reação, mergulhando no álcool e no cigarro. Melchionna consegue extrair o melhor dos seus atores, guiando sua encenação através de silêncios e intenções pontuais, violência e agressões físicas e verbais, tudo isso ao som da chuva que cai lá fora. A iluminação é ótima, valorizando o espaço da sala e os climas necessários à cena. 
Tudo isso faz de “Fala comigo doce como a chuva” um espetáculo tocante e emocionante, onde todos os elementos estão a serviço da cena, voltados para que o espectador adentre no degradante universo do casal, e isso acontece de modo sutil e verdadeiro. Um espetáculo que merece ser assistido quando retornar a cartaz. 


Ficha Técnica
Elenco: Fernanda Petit e Ander Belotto
Stand By: Luiz Manoel Oliveira Alves
Direção e Dramaturgia: Matheus Melchionna
Orientação Teórica: Inês Marocco
Figurinos, Cenário e Trilha Sonora: Matheus Melchionna, Fernanda Petit e Filippi Mazutti
Iluminação: Lucca Simas
Direção Audiovisual: Guilherme Pires
Textos: Tennessee Williams, Jéssica Lusia, Fernanda Petit e Rihanna
Projeto Gráfico: Gustavo Susin
Produção: Viviane Falkembach