domingo, 17 de janeiro de 2016

DONA FLOR E SEUS DOIS MARIDOS (RS)

Foto: Adriana Marchiori


Qualidade, bom gosto e requinte nos palcos gaúchos

“Dona Flor e seus dois maridos”, abriu a programação do Porto Verão Alegre. Trata-se de uma adaptação e apropriação da obra de Jorge Amado. O espetáculo gaúcho parte de uma das obras mais conhecidas do Brasil. O que diferencia este trabalho das outras linguagens ao qual já fora adaptado:  o cinema, a literatura e a televisão é a apropriação da teatralidade latente e potente vistos no palco. Dirigido por Zé Adão Barbosa, Carlota Albuquerque e Larissa Sanguiné “Dona Flor” destila na cena uma série de sensações provocadas por sons, cores, texturas, aromas e os corpos dos atores provocando no espectador uma verdadeira catarse.
O espetáculo é uma verdadeira homenagem a obra de Jorge Amado, pois os diretores não se contaminaram pela grande oferta de referenciais existentes e já realizados acerca da obra, pelo contrário, souberam criar, cada um a seu modo, uma cena inventiva e poética, recheada de signos e simbologias partindo de elementos muito simples que remetem a vida noturna de Salvador.
A chamada pós modernidade teatral articulou novos padrões de encenação, requisitando do espectador uma percepção centrada nas sensações, ora desconstruindo a fábula, e evitando qualquer significado racional, ora centrado na experiência estética da performance da representação. E é justamente o que acontece neste trabalho. A priori, o espectador já conhece a fábula da narrativa, o triângulo Flor-Vadinho-Teodoro está enraizado na cultura brasileira principalmente pela abordagem televisiva, mas no caso desta encenação o acerto está justamente em colocar em cena um retrato teatralizado através de uma estrutura polifônica,  fazendo da obra de Jorge Amado um meio e não um fim. Cabe salientar que o espetáculo não é uma simples tradução do texto literário, mas um mergulho nas potencialidades que tornam a cena inventiva a cada quadro.
A trilha sonora do espetáculo é um dos elementos que contribuem para que esta estrutura polifônica funcione muito bem. A direção musical de Simone Rasslan e Álvaro RosaCosta é um dos destaques da encenação, demonstrando mais uma vez a qualidade destes profissionais. Recheada de canções autorais e clássicos de domínio público que incluem samba, valsa, tango entre outros, interpretados ao vivo pelos atores e com acompanhamento instrumental da própria Simone Rasslan e de Kiti Santos. Qualidade, bom gosto e requinte que nos reportam para a Bahia, seu folclore e sua cultura.
Outro destaque é a estética da montagem com seu cenário de Paulo Pereira, que a priori é muito simples, mas que a direção soube aproveitar muito bem. Uma mesa, algumas janelas com seus ladrilhos, tecidos, um lustre (e que belo lustre!) e uma infinidade de possibilidades que transportam o espectador a outros lugares. A cena inicial é de uma beleza rara. A iluminação de Bathista Freire é uma das mais lindas que já vi, pois consegue criar ambientes e texturas diferenciadas, dialogando o tempo todo com a obra. Ora com cores vibrantes, ora limitando espaços, deixando claramente sua marca. Zé Adão Barbosa assina também os figurinos que além de numerosos, são ricos em detalhes, com seus adereços e perucas coloridas, que dão um tom divertido as cenas.
Mas sem sombra de dúvida, o elenco é a força motriz deste espetáculo. Cassiano Ranzolin é muito feliz na personificação de seu Vadinho, um ator com uma disponibilidade e malemolência que o personagem pede, canta, dança e encanta em cena. Uma grande aposta dos diretores e consegue alcançar um resultado admirável em cena. Kaya Rodrigues é Dona Flor e traz ao palco a força da mulher, sua sensualidade e dualidade necessária para gravitar ora no mundo de Vadinho, ora no universo de Teodoro, creio que durante as próximas apresentações essa personagem ganhará ainda mais vida no corpo/alma desta linda atriz. Tom Peres é uma grata revelação, pois consegue tirar o máximo de proveito de seu personagem, construindo um modo de se expressar e deslocar em cena que cativa o espectador, realmente uma grande aposta desta montagem. Angela Spiazzi acompanho através das montagens do Terpsí e já admirava muito toda a sua expressividade, mas atuando e cantando ainda não a tinha visto, e confesso que me surpreende muito, positivamente. Suas participações além de serem pontuais, são cômicas e enérgicas, trazendo toda sua potencialidade expressiva para a personificação de suas personagens, seu corpo sempre em desequilíbrio chama para si o foco sempre que está em cena. Giovana de Figueiredo é outro nome que é destaque, que atriz maravilhosa que os diretores têm em mãos, tem um tom perfeito de comédia, simplesmente irretocável, um grande prazer de ver em cena. Léo Maciel e Álvaro RosaCosta, dois nomes já reconhecidos dos nossos palcos contribuem e muito para a condução do espetáculo, RosaCosta com sua perfeita emissão vocal e sua figura simpática, assim como Maciel que com uma garra constrói personagens potentes, que no canto faz tremer o espectador. Emilio Farias sempre com sua presença carismática e aqui surpreende por sua capacidade vocal, Maya Rodrigues mais uma aposta, pois é segura e tem força nas suas construções e Bruno Pontes é mais um que se revela e mostra a que veio. Ou seja, elenco afiadíssimo revelando novos atores que constroem um espetáculo repleto de méritos. Bravo!!! Produção cuidadosa que merece ser vista e revista por todos aqueles que amam o bom teatro. Vida longa a “Dona Flor e seus dois maridos”! Vida longa a produção e a todos os seus realizadores!


Dona Flor e seus Dois Maridos
Texto: Jorge Amado
Elenco: Kaya Rodrigues, Cassiano Ranzolin, Tom Peres, Álvaro RosaCosta, Giovana de Figueiredo, Maya Rodrigues, Leo Maciel, Angela Spiazzi, Bruno Pontes e Emílio Farias
Musicistas: Simone Rasslan (voz e piano) e Kiti Santos (flauta e cello)
Direção: Zé Adão Barbosa, Carlota Albuquerque e Larissa Sanguiné
Direção musical, trilha sonora original e arranjos: Simone Rasslan e Álvaro RosaCosta
Direção de produção: Joice Rossato
Iluminação: Bathista Freire
Assistência de iluminação : Daniel Fetter
Vídeos: Daniel Jainechine
Figurino: Zé Adão Barbosa
Trilha pesquisada: Simone Rasslan e Zé Adão Barbosa
Letras: Ronald Augusto, Denise Martins e Álvaro RosaCosta
Cenotécnico: Paulo Pereira
Assistência de cenotécnica: Jony Pereira
Operação de som: Beto Chedid
Consultoria técnica de som: Marcelo Bullum
Fotografia: Tom Peres
Fotografia de cena: Adriana Marchiori
Assessoria de imprensa: Liane Strapazzon
Produção executiva: Ana Cristina de Oliveira
Confecção do lustre: Daniel Jainechine
Preparação musical: Simone Rasslan
Costureiras: Almeri Souza, Mari Falcão, Maria Vilma Rossato
Passadeira: Carol Ferraz
Contraregra: Carol Ferraz, Gustavo Dienstmann e Jony Pereira
Aderecista de cabeça: Gustavo Dienstmann
Aderecista: Dinara Dorneles
Projeto gráfico: Daniel Jainechine
Diagramação: pH ácido | Criação e Cultura
Produção: Aresta Cultural
Realização: Casa de Teatro